Leia artigo de Luiz Felipe Pondé na Folha de hoje:
Você acredita em justiça social? Tenho minhas dúvidas. Engasgou? Como pode alguém não crer em justiça social? Calma, já explico. Quem em sã consciência seria contra uma vida “menos ruim”? Não eu. Mas cuidado: o jargão “por uma sociedade mais justa” pode ser falado pelo pior dos canalhas. Assim como dizer “vou fazer mais escolas”, dizer “sou por uma sociedade mais justa” pode ser golpe.
Aliás, que invasão de privacidade é essa propaganda política gratuita na mídia, não? O desgraçado comum, indo pro trabalho no trânsito, querendo um pouco de música pra aliviar seu dia a dia, é obrigado a ouvir a palhaçada sem graça dos candidatos. Ou o blablablá compenetrado de quem se acha sério e acredita que sou obrigado a ouvi-lo.
Mas voltando à justiça social, proponho a leitura do filósofo escocês David Hume (século 18), “An Enquiry Concerning the Principles of Morals, Section III”. Cético e irônico, Hume foi um dos maiores filósofos modernos. É conhecida sua ironia para com a ideia de justiça social. Ele a comparava aos delírios dos cristãos puritanos de sua época em busca de uma vida pura. Para Hume, os defensores de um “critério racional” de justiça social eram tão fanáticos quanto os fanáticos da fé.
Sua crítica visava a possibilidade de nós termos critérios claros do que seria justo socialmente. Mas ele também duvidava de quem estabeleceria essa justiça “criteriosa” e de como se estabeleceria esse paraíso de justiça social no mundo. Se você falar em educação e saúde, é fácil, mas e quando vamos além disso no “projeto de justiça social”? Aqui é que a coisa pega.
Mas antes da pergunta “o que é justiça social?”, podemos perguntar quem seriam “os paladinos da justiça social”. Seria gente honesta? Ou aproveitadores do patrimônio dos outros e da “matéria bruta da infelicidade humana”, ansiosos por fazer seus próprios patrimônios à custa do roubo do fruto do trabalho alheio “em nome da justiça social”? Humm…
A semelhança dos hipócritas da fé que falavam em nome da justiça divina para roubar sua alma, esses hipócritas falariam em nome da justiça social para roubar você. Ambas abstratas e inefáveis, por isso mesmo excelentes ferramentas para aproveitadores e mentirosos, as justiças divina e social seriam armas poderosas de retórica autoritária e mau-caráter.
Suspeito de que se Hume vivesse hoje entre nós, faria críticas semelhantes à oligarquia de esquerda que se apoderou da máquina do governo brasileiro manipulando uma linguagem de “justiça social”: controle da mídia, das escolas, dos direitos autorais, das opiniões, da distribuição de vagas nas universidades, tudo em nome da “justiça social”. Ataca-se assim, o coração da vida inteligente: o pensamento e suas formas materiais de produção e distribuição.
A tendência autoritária da política nacional espanta as almas menos cegas ou menos hipócritas. A oligarquia de esquerda associa as práticas das velhas oligarquias ao maior estelionato da história política moderna: a ideia de fazer justiça social a custa do trabalho (econômico e intelectual) alheio.
Outro filósofo britânico, Locke (século 17), chamava a atenção para o fato de que sem propriedade privada não haveria qualquer liberdade possível no mundo porque liberdade, quando arrancada de sua raiz concreta, a propriedade privada (isto é, o fruto do seu esforço pessoal e livre e que ninguém pode tomar), seria irreal.
Instalando-se num ambiente antes ocupado pela oligarquia nordestina, brutal e coronelista, e sua aliada, a chique oligarquia industrial paulista, os “paladinos da justiça social” se apoderam dos mecanismos de controle da sociedade e passam a produzir sucessores e sucessoras tirando-os da cartola, fazendo uso da mais abusiva retórica e máquina de propaganda.
Engana-se quem acha que propriedade privada seja apenas “sua casa”. Não, a primeira propriedade privada que existe é invisível: sua alma, seu espírito, suas ideias. É sobre elas que a oligarquia de esquerda avança a passos largos. Em nome da “justiça social” ela silenciará todos.